sexta-feira, 28 de outubro de 2011

AUTO-DE-FÉ DE BARCELONA – 150 ANOS


Milton R. Medran Moreira*
Aconteceu em 9 de outubro de 1861. Há 150 anos, portanto. O espiritismo era uma novidade, recém lançada em Paris. Os livros de Allan Kardec faziam sucesso na França. Por isso, uma livraria de Barcelona resolveu importá-los para que os espanhóis pudessem conhecer as novas teorias sobre o “a natureza, origem e destino dos espíritos e suas relações com o mundo material”, que era como Kardec definia a ciência e filosofia que acabara de sistematizar. A França, na época, mesmo vivendo sob o regime autoritário de Napoleão III, respirava ares de liberdade intelectual. Diferentemente da Espanha, ainda dominada por resquícios teocráticos medievais.
Pois mal os livros desembarcaram no porto de Barcelona, o bispo da cidade, Manuel Joaquín Tarancón y Morón, ordenou sua apreensão e incineração na esplanada da cidade. O decreto episcopal rezava: “A Igreja Católica é universal, e sendo os livros contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles venham a perverter a moral e a religião de outros países”.
Foi dessa forma que, na mencionada data, segundo consignaria uma testemunha, “às dez horas e meia da manhã, sobre a esplanada da cidade de Barcelona, no lugar onde são executados os criminosos condenados ao último suplício, e por ordem do bispo desta cidade, foram queimados trezentos volumes e brochuras sobre o espiritismo”. O relato registrou a presença das seguintes pessoas: “Um padre revestido das roupas sacerdotais, trazendo a cruz numa mão e a tocha na outra mão; um notário encarregado de redigir a ata do auto-de-fé; o escrevente do notário; um empregado superior da administração da alfândega; três moços (serventes) da alfândega, encarregados de manter o fogo; um agente da alfândega representando o proprietário das obras condenadas pelo bispo”. Acrescentou a testemunha: “Uma multidão inumerável encobria os passeios e cobria a imensa esplanada onde se elevava a fogueira”. O relato concluiu assim: “Quando o fogo consumiu os trezentos volumes ou brochuras espíritas, o padre e seus ajudantes se retiraram, cobertos pelas vaias e as maldições dos numerosos assistentes que gritavam: Abaixo a Inquisição! Numerosas pessoas, em seguida, se aproximaram da fogueira e recolheram suas cinzas”.
O testemunho, estampado na “Revista Espírita”, então editada por Allan Kardec, mereceu vigoroso comentário do editor, estranhando que, em pleno Século 19, ainda se censurassem livros na Espanha e que essa tarefa fosse atribuída a autoridades eclesiásticas. Allan Kardec chamou isso de um “resto da Idade Média” e juntou a seu comentário a comunicação de um Espírito, na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, que assim se manifestara: “Hoje a retaguarda da inquisição fez seu último auto-de-fé”. Mesmo condenando-o, previa Kardec que o acontecimento seria proveitoso ao espiritismo, pois “a perseguição sempre foi aproveitável à ideia que se quis proscrever”, já que “por aí se lhe exalta a importância, se lhe desperta a atenção, fazendo-o conhecer por aqueles que o ignoram”. De fato, nas décadas seguintes, o espiritismo teria na Espanha um extraordinário incremento, sendo um dos países onde mais se cultivaram suas ideias, até a eclosão de novos eventos tirânicos, como a 1ª e 2ª Guerras Mundiais e, especialmente, a ditadura franquista do Século 20, quando, novamente em colaboração com a Igreja Católica, o espiritismo foi reprimido e sua prática punida pelo Estado.
Claro que já não se queimam livros e, tampouco, autoridades religiosas de hoje, seja na Europa ou na América, se arrogariam o direito de lhes impor a censura civil. Mas, decorridos 150 anos, perdura a dicotomia crença x liberdade de pensamento. Essa aparente inconciliabilidade só será dissipada quando se entender que não existe aquilo que o bispo de Barcelona classificou como uma fé “universal”. O mais rico patrimônio do espírito humano é sua capacidade de raciocinar e sua liberdade de agir de acordo com o pensamento, o que leva, necessariamente, ao pluralismo de ideias e crenças.
Razão e liberdade. Estão aí os dois grandes atributos do espírito. Daí a lapidar afirmativa de Allan Kardec: “Fé inabalável só é aquela que pode encarar a razão, face a face, em qualquer época da Humanidade”.
*Advogado e jornalista. Diretor do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre.
(Artigo publicado no jornal “O Sul”, de Porto Alegre, em 28/10/2011)

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A MORTE

Porque a morte propicia tanto sofrimento e catadupas de pranto, acarretando desespero no mundo, é válido lembrarmos que:
a semente morre para que surja a plântula tenra;
transforma-se a ostra, de modo a produzir a pérola preciosa;
estiola-se a flor, emurchecida, a fim de que provenha o fruto que guarda, na essência, o sabor;
morre o dia nas tintas do poente, de modo que o véu cintilante da noite envolva a Terra;
morre a noite, entre as lágrimas do orvalho, para que o manto aurifulgente do dia consiga embelezar a amplidão;
o rio morre na exuberância do mar;
fana-se o homem para que se liberte o Espírito, antes cativo.
* * *
À frente disso, vemos que a morte é sempre a chave que desata o perfume da vida. Não há morte, essencialmente. Tudo é transformação, tudo é recriação...
A lágrima de agora se tornará sorriso.
A dor atual prepara a ventura porvindoura.
A saudade que punge hoje, fomenta o sublime reencontro de logo mais.
Morte é vida, agora o sabemos...
* * *
Habitue-se, caro coração, a refletir a respeito da morte, com serenidade e confiança em Deus, porque você não ignora que, por mais se aturda, desarvore ou se inconforme, essa é a única regra para a qual não se conhece exceção.
Prepare-se, amando e trabalhando no bem grandioso, até que você, um dia, igualmente se transforme em ave libertada da prisão – escola corporal.
A morte tão somente revela a vida mais amplamente. Pense nisso.
Autor: Rosângela Costa Lima